Socorro! Minha turma vive confinada em cursinhos preparatórios. Nada de badernas e baladas, estão todos com os olhos – full-time – nos testes seletivos da vida
Imagem: Google
Meus amigos de vida ociosa estão em extinção. Socorro! Onde estão meus camaradas de taverna? Onde se enfurnaram meus “primos” de conversinha fiada? Em que parte desta cidade, minha malta boêmia está refugiada? Alguém pode me informar onde se meteram meus parceiros de arruaça? Apareçam meus caros! Suas ausências são como diques que bloqueiam nossa, outrora, transbordante amizade.
O apelo acima é para meus amigos que agora se veem rodeados de livros e apostilas para concursos públicos. Todos eles estão envolvidos pelo desejo de estabilidade, pelo o voraz desejo de inocular suas habilidades em repartições públicas, por isso, rarearam o tempo disponível, e como o personagem de Indiana Jones, vivem bisbilhotando editais como se fossem verdadeiras relíquias.
Não os vejo mais em parte alguma, nem nos lugares de sempre. Não os vi nas prévias carnavalescas da Banda Bandida, nem no Corso, e provavelmente hoje não os verei no jogo entre e River e Ceará no estádio Albertão. Fui informado que cada um deles busca, incansavelmente, aquilo que o poeta Manuel Bandeira estava saturado: “do lirismo funcionário público”. Na ânsia de constatarem seus nomes publicados no Diário Oficial, meus companheiros me privam agora de suas companhias.
Outro dia mesmo, encontrei um do bando, e recalcitrante, propus pagar uma cervejinha num bar próximo da Praça Saraiva, mas ele, impassível a minha carência de camaradagem, inclinou-se do convite. Disse-me que, atualmente, só comia e bebia Direito Constitucional, Direito Administrativo, leis e mais leis, não tinha tempo. Despediu-se e foi embora. Não quis engrenar um papo, nem afiançar a minha vagabundagem.
Meus fieis parceiros, quer dizer, ex-parceiros de roda, há tempos pediram exoneração de seus cargos dionisíacos, de suas funções de Baco. No momento, só aspiram um serviço público. A mim, em tom monocórdio, só me resta cantar a canção da despedida de nossos porres homéricos.
E lá vão eles, moças e moças atrás da aprovação na batalha dos concursos, não mais ganharão às ruas comigo. Mas lhes digo, sozinho eu não quero nem o flâneur de Baudelaire. E peço-lhes, voltem sujeitos ingratos! Voltem para os nossos momentos de, vivendo a vida loucamente. Não gastem todo o tempo de suas vidas com a cara enfiada apenas em pilhas de livros e apostilhas, pois as horas e as vadiagens, já não são tão abundantes assim.
Estudem, mas arranjem tempo também para brincar um pouco de ociosidade, não se desapeguem totalmente da desocupação. Curtir o tic-tac do relógio de pernas pro ar, ainda é um grande barato, afinal, como bem disse o poeta Ledo Ivo em seu livro A Cidade e os dias, “há criaturas que devem matar o tempo antes que o tempo as mate”.
Que a frase do poeta sirva também para a amiga Maria, que recentemente me revelou está estudando quatorze horas por dia, a fim de lograr êxito nos concursos que surgirem durante todo o ano. Para ela, a vida social é um mero detalhe, quer mesmo é não dispor de tempo nenhum livre para não cair em banalidades, e sim aproveitar para se dedicar exclusivamente aos estudos.
Socorro! Minha turma vive confinada em cursinhos preparatórios. Nada de badernas e baladas, estão todos com os olhos – full-time – nos testes seletivos da vida. Já não há mais tempo para o futebol, para o rolezinho, para as bebericações fortificantes, muito menos para o churrasco de fim de semana. Daqui a pouco, se eu os confundi com aquele coelhinho do filme, Alice, no País das Maravilhas, que nunca tinha tempo para nada, e que vivia correndo e dizendo aos quatro ventos, “é tarde, é tarde, é tarde!”, não reclamem.
Fonte: Portalodia.com.br
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