Novas escutas gravadas pelo Ministério Público de São Paulo revelam que a facção criminosa que age dentro e fora dos presídios paulistas tentou entrar na política e se aproximar do Supremo Tribunal Federal (STF). As informações são do Jornal Hoje.
O Ministério Público (MP) flagrou um dos detentos conversando com a advogada Lucy de Lima sobre audiência com um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). "Eu escrevi um testamento pra assessora dele, pra conseguir que ela agendasse”, afirmou a advogada na gravação.
Segundo o Ministério Público, a advogada se referia ao ministro Cezar Peluso, que na época era presidente do STF. Vinte dias depois, o preso voltou a falar com a advogada. "Felipe, acabei de vim (SIC) do homem", disse. "Ele perguntou pra onde aquele amigo do Felipe quer ir. Eu falei aquela (penitenciária) lá de Sorocaba, sabe? Mas ele falou pra falar pra qual quer ir", disse.
A escuta faz parte de uma megainvestigação de três anos na qual o Ministério Público aponta que a cúpula da facção criminosa comanda, de dentro dos presídios paulistas, o tráfico de drogas e armas, além de ordenar a morte de autoridades, inimigos e policiais. Como resultado da apuração, os promotores pediram a prisão preventiva de 175 integrantes da facção e a transferência de 35 presos para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), sistema em que o nível de isolamento do preso é maior. A investigação foi divulgada na sexta-feira (11) pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Na edição deste sábado (12), o jornal revelou que outra advogada, Maria Carolina Marrara de Matos, disse a outro peso que o irmão dela foi chamado para trabalhar no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski e que pretendia usar o irmão para defender interesses da organização criminosa. Ela afirma que há uma “perseguição" no Tribunal de Justiça de São Paulo e que pensa em uma estratégia para um pedido coletivo no STF.
”Tem meu irmão, que foi chamado para trabalhar com um ministro, o Lewandowski, eu até estava pensando nisso hoje até pra juntar vários pedidos que foram negados", disse.
A organização também tentou se infiltrar na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em uma conversa gravada, dois presos discutiram o apoio a uma candidata. A facção planejava ainda invadir o presidio de Presidente Venceslau para liberar integrantes. Em uma conversa, dois presos conversam sobre a compra de oito fuzis que seriam usados no resgate.
A assessoria do ministro Ricardo Lewandowsky afirmou que ele nunca foi procurado pela advogada Maria Carolina Marrara de Matos e que ele soube que havia um currículo do irmão da advogada no tribunal quando foi procurado pela imprensa. A equipe de reportagem tentou contato com a advogada e com o ministro Cezar Peluso, mas não obteve retorno.
A advogada Lucy de Lima admitiu que defende o preso Edilson Borges Nogueira, a pedido dos familiares dele, e que pediu ao ministro Ayres de Britto o julgamento do habeas corpus do preso, mas ele não julgou o mérito. Ela negou que tenha conversado por telefone com o preso.
Governador
Também dentro da penitenciária de Presidente Venceslau, a investigação detectou um plano para matar o governador Geraldo Alckmin. A ameaça foi feita há 40 dias. Um bilhete escrito por um preso foi interceptado e repassado aos promotores. O bilhete é um dos indícios de que Alckmin é alvo da facção. Em outra gravação, dois integrantes da facção, LH e Tiquinho, chegam a falar que "decretaram" o governador.
“Depois que esse governador entrou aí o bagulho ficou doido mesmo. Você sabe de tudo o que aconteceu, cara, na época que nois (SIC) decretou ele (governador), então, hoje em dia, secretário de segurança pública, secretário de administração, comandante dos vermes (PM), estão todos contra nois", afirmou LH. A gravação foi feita há dois anos.
Alckmin afirmou neste sábado (12) em Aparecida, no interior de São Paulo, que nada mudou em sua segurança. Ele esteve na cidade para acompanhar uma missa. Quem também vive sob constante ameaça, segundo a investigação do MP, é o coordenador das unidades prisionais do oeste do Estado, Roberto Medina.
Crítica
O Ministério Público de São Paulo criticou a decisão da Justiça de rejeitar a denúncia contra 14 dos 175 acusados de integrarem a facção criminosa. Documento obtido pelo G1 mostra que os promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, criticaram a decisão judicial que negou ainda os pedidos de prisões preventivas e de mandados de buscas e apreensões contra parte dos denunciados.
O juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Rodrigo Capez, disse nesta sexta-feira que a denúncia contra 175 suspeitos foi parcialmente negada porque o pedido foi "genérico" e a conduta de cada suspeito não foi suficientemente individualizada pelos promotores.
Por causa da rejeição, a Promotoria informa, em documento redigido na segunda-feira (7), que entrou com recurso “visando a reforma da decisão, com o recebimento integral da denúncia, além do deferimento da decretação da prisão preventiva dos denunciados e a expedição de mandados de busca e apreensão na residência deles”. “O jovem magistrado de primeiro grau não agiu com acerto”, diz o documento.
O MP alega que as prisões e mandados se fazem necessários porque a facção oferece grande perigo à população. O MP cita que a facção é responsável pelas rebeliões em presídios em 2001, atentados em 2006, com mortos e prejuízos financeiros, e a onda de ataques em 2012, com mortes de policiais militares de São Paulo. A conclusão da Promotoria é de que a organização criminosa é "armada, de caráter permanente, destinada à prática do tráfico de drogas e de inúmeros outros delitos”.
O juiz Rodrigo Capez garantiu que não houve intimidação contra o magistrado que negou as prisões e os mandados de busca e apreensão. "Eu posso assegurar que nenhum magistrado se sente intimidado. Isso já faz parte da profissão. O juiz responsável pelo RDD [Regime Disciplinar Diferenciado] tem plena consciência da gravidade das funções que ele exercesse e da repercussão das decisões que ele toma", afirmou Capez.
Entenda o caso
Os promotores pediram a prisão preventiva de 175 integrantes da facção e a transferência de 35 presos para o RDD. Os trabalhos foram conduzidos por 23 promotores e começaram em março de 2010. Além das escutas, foram reunidos documentos, depoimentos de testemunhas e informações sobre apreensões de centenas de quilos de drogas.
A denúncia com os pedidos de prisão foi oferecida à Justiça pelo MP há um mês, em 11 de setembro. O pedido foi negado pelo juiz de Presidente Venceslau. O MP recorreu da decisão no Tribunal de Justiça.
A partir da investigação, os promotores mapearam a estrutura da quadrilha, na qual apontam como chefe Marco Willians Camacho, o Marcola, que está preso faz sete anos. Os promotores também descobriram que a facção controla 169 mil presos e atua em 90% dos presídios paulistas. Fora dos presídios, a facção vende drogas e negocia compra de armas, e mata quem atrapalha os planos da facção.
RDD
A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo disse que pediu a internação de 35 presidiários do Centro de Readaptação de Presidente Bernardes para o regime disciplinar diferenciado, o RDD, mas o pedido foi negado pela autoridade judiciária. O Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre o tema.
O advogado de Marcola, Roberto Parentoni, informou que ainda não teve acesso ao conteúdo da denúncia feita pelo Ministério Público Estadual contra seu cliente, e que, por isso, não pode se pronunciar.
Fonte: G1
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