O Vaticano anunciou ontem que poderá antecipar o Conclave – reunião em que os cardeais escolhem o novo papa –, inicialmente marcado para começar a partir do dia 15 de março. O temor é de que o Conclave aprofunde a crise interna e a Igreja chegue à Páscoa sem um pontífice.
A renúncia do papa Bento XVI na segunda-feira passada e suas declarações nos dias que se seguiram são consideradas, para muitos em Roma, um divisor de águas na história recente da Santa Sé. A semana que abalou o Vaticano colocou a Igreja em um território desconhecido e em uma encruzilhada. Longe de acabar com a crise interna, como era o objetivo, a renúncia fez com que as divisões se aprofundassem.
Para muitos, o Conclave, na prática, já começou, informalmente. Longe das câmeras, em discretos restaurantes de Roma e apartamentos privados, os príncipes do Vaticano, como são conhecidos os cardeais, se lançaram nos últimos dias em uma campanha para tentar influenciar o futuro da Igreja e posicionar eventuais candidatos. "O conclave já começou", constatou um cardeal latino-americano.
Diante do resultado das primeiras conversas particulares, cardeais e vaticanistas ouvidos reportagem afirmam que o que se desenha é um dos mais tensos Conclaves em décadas e provavelmente mais longo que o de 2005, quando Joseph Ratzinger foi eleito em apenas 26 horas de debates. "Há quem tema o que vai ocorrer quando todos se sentarem diante da pintura do Juízo Final na Capela Sistina", admitiu o cardeal, que pediu anonimato.
Nos bastidores, não são poucos os que temem que um Conclave mais demorado acirre as rivalidades e acabe afetando ainda mais a imagem da Igreja, enquanto câmeras de todo o mundo estarão focadas na Praça de São Pedro. "Há um grupo comprometido em evitar que isso ocorra", explicou. "Não veremos a fumaça branca (sinal de que a Cúria encontrou um novo papa) por algum tempo", alertou o cardeal sul-africano Wildrid Napier.
Depois de negar por dias que o Vaticano pudesse antecipar o Conclave, o porta-voz da Igreja, Federico Lombardi, reconheceu ontem que a data originalmente pensada – a partir de 15 de março – poderá ser antecipada e a eleição possa ocorrer na primeira quinzena do próximo mes.
Segundo ele, as regras poderiam ser "interpretadas de forma aberta". "É possível que as autoridades preparem uma proposta nesse sentido", disse. Pelas regras, o Conclave deve ocorrer de 15 a 20 dias após a saída do papa. Nos últimos 600 anos, a mudança do mais alto cargo da Igreja só ocorreu por causa de morte – não renúncia. Desta vez, o processo tem uma agenda.
Mas o que de fato faz a Igreja antecipar a eleição é o temor de um Conclave longo, em decorrência das disputas internas que foram amplificadas desde o anúncio da renúncia. Se isso ocorrer, o Vaticano correrá o risco de chegar à Páscoa, no fim de março, sem um nome. Muitos consideram o fato um desastre para a imagem da Igreja.
Fragilidade. Nos dias que se seguiram à renúncia de Bento XVI surgiram relatos de que sua fragilidade não era apenas de saúde, mas também política, diante da existência de um grupo dentro da Cúria empenhado em não permitir que ele governasse.
Se a renúncia já foi marcante, as duras mensagens de Bento XVI dadas nos últimos dias – alertando para as divisões existentes na Cúria Romana, para a "hipocrisia religiosa" e a "instrumentalização" de Deus – aprofundaram a crise interna.
Três dias antes de renunciar, o papa deu um recado claro de que sabia que estava prestes a assumir um martírio diante de sua decisão. "Estamos sendo chamados para aceitar o aspecto de martírio do cristianismo", afirmou a seminaristas. "A cruz pode ter diferentes formas. Mas ninguém pode ser um cristão sem aceitar o momento de martírio", declarou na ocasião.
Nos bastidores, a renúncia e os recados chacoalharam a Igreja, pouco acostumada a ver sua intimidade revelada. A ala mais conservadora teria ficado irritada com a decisão da renúncia, temendo o enfraquecimento da Igreja. Já seus aliados passaram a culpar justamente os mais conservadores por terem criado a crise sem precedentes, não permitindo que Bento XVI tomasse ações para limpar a Igreja.
Segundo as fontes consultadas pelo Estado, a rivalidade entre os cardeais Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, dois dos mais poderosos, também se amplificou diante das críticas públicas do papa. Bertone, espécie de primeiro-ministro do Vaticano, é acusado de ter criado uma situação insustentável. Já Sodano é alvo de críticas por não ter permitido Bento XVI avançar rumo a uma renovação da Igreja.
Os ataques internos não pararam por ai. As denúncias feitas pelo pontífice em público abriram a brecha para que cardeais mais distantes da cúpula começassem a se mobilizar, argumentando que chegou o momento da Igreja ter uma nova face. "Isso não significa necessariamente um papa brasileiro ou de Gana", explicou um deles. "O que importa é fazer o mundo entender que a Igreja quer uma renovação."
"A renúncia oferecerá opções que talvez não eram tão obvias antes de sua decisão corajosa", afirmou o cardeal americano Edwin F. O'Brien. "A renúncia certamente terá um impacto no caminho que a Igreja tomará a partir de agora", disse o cardeal Sean O'Malley, também dos EUA.
Para o especialista George Weigel, o confronto entre diferentes alas do Vaticano ocorre justamente porque a Igreja está em uma encruzilhada. Segundo ele, por alguns séculos o Vaticano viveu na defensiva, diante da expansão de outros movimentos religiosos e digerindo as revoluções científicas no mundo. Desde João Paulo II, porém, o esforço pela evangelização tem custado e acirrado disputas internas.
Não por acaso, essa situação deve se traduzir em um dos mais complicados conclaves da história recente. "Não há um só dia que não haja uma reunião para falar do Conclave", admitiu uma fonte próxima aos cardeais. "Alguns deles não conseguem sequer dormir. Penso nos pobres cardeais que são citados como futuros papas", afirmou o cardeal Giovanni Lajolo, que garante não ter chances na eleição.
Desafios. Os desafios do conclave serão, de fato, dos mais importantes. Durante os anos do pontificado de Bento XVI, seu país natal perdeu 180 mil católicos. O próprio Vaticano já admite que, na última década, os muçulmanos passaram os católicos, em números, no mundo. Segundo publicação da Santa Sé com dados de todas as religiões, os muçulmanos são 1,32 bilhão e os católicos, 1,13 bilhão.
Fonte: 180graus.
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