segunda-feira, 19 de março de 2012

Animais vítimas do tráfico são libertados na floresta da caatinga.

Francisco José Parque Nacional Serra da Capivara, PI

A grande aventura pelos céus do nosso país chega à mais brasileira de todas as matas. Vamos desbravar a caatinga, um tipo de floresta que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Nesta época do ano, a paisagem seca e retorcida se transforma. Os paredões de arenito ficam cercados de verde. A vida aflora nos quatro cantos do sertão. Vamos voar sobre a terra que já foi o abrigo dos primeiros habitantes das Américas e ver de perto os vestígios pré-históricos dos homens que viveram na região. É o Globo Repórter nos Céus do Brasil.

Partimos de Petrolina, rumo ao Parque Nacional da Serra da Capivara e à Serra das Confusões, no sul do Piauí.

“A caatinga é um bioma extremamente rico, ao contrário do que se pensa normalmente. Ela tem uma grande diversidade de fauna e de flora. É uma capacidade de adaptação ao ciclo da água que eu acho fantástica. Acho que a caatinga é realmente uma demonstração de que, se você se integra na natureza, se você desenvolve as suas capacidades, você consegue sobreviver em qualquer condição”, define a arqueóloga Niéde Guidon, da Fundação Museu Homem Americano (FUMDHAM).

Nos sertões do Nordeste, só existem duas estações: inverno e verão. Já começou a chover. A vegetação volta a florescer. A imensidão da caatinga fica completamente verde. Basta um pouco de água e o sertão vira um mar de árvores.

“A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro. Ao longo da vida, da história da gente, a gente sempre associou a caatinga à pobreza humana, como se o ambiente também fosse pobre. Só que a caatinga é um ambiente extremamente rico, de uma biodiversidade que a gente não conhece, com uma possibilidade de uso biotecnológico estúpido e que a gente nunca aproveitou”, diz a bióloga Márcia Chame, da FIOCRUZ e FUMDHAM.

Márcia Chame trabalha nas serras há 26 anos. “Eu sempre trabalhei com os mamíferos de médio e de grande porte nessa região. Por exemplo, raposas, os felinos silvestres, onça, veado, os tatus, os caititus, os tamanduás, enfim, ao todo são 16 espécies. A gente não precisa mais hoje capturar esses animais, porque encontrando as fezes no caminho a gente sabe, com isso, onde os animais estão andando, quais são as áreas de preferência de cada uma dessas espécies dentro do parque.”

“Eu sempre correlaciono as fezes a um dispositivo de informação”, continua Márcia. “Como se eu pudesse pegar um pendrive e colocar em um computador, e ele vai me abrir uma série de coisas. E se eu tiver os programas e a capacidade para poder ler e entender o que ele está me dizendo, eu vou ter um universo de coisas que eu desconheço.”

A bióloga desce de rapel um penhasco para colher amostras. Por causa da chuva, as pedras estão escorregadias.

“As pessoas não têm ideia do quão importante é podermos ter um ecossistema equilibrado e sadio. Se esse ecossistema estiver equilibrado com todas as suas espécies, elas criam um efeito de diluição de doenças sobre nós”, conta Márcia. “Se esse parque tem todas as suas espécies, eu não vou ter um vetor saindo daqui para ir se alimentar das pessoas e, com isso, transmitir uma doença.”

“Quando eu destruo e eu descaracterizo esse ambiente, eu desloco o vetor de dentro de uma área natural para uma área urbana”, acrescenta Márcia. “E eu acabo tendo problemas de saúde. Aí, ele leva malária, leishmaniose, doença de chagas e tantas outras coisas. Sempre digo que a biodiversidade faz bem para a saúde.”

A saúde do bioma mais brasileiro é nossa prioridade. Logo nos primeiros dias, Sérgio Chapelin se juntou à expedição. “Bem-vindo ao calor do sertão!”, anuncia o repórter Francisco José.

A equipe embarca no balão do Globo Repórter nos Céus do Brasil. Queremos ver do alto como está a situação ao redor do Parque Nacional da Serra da Capivara. O mais surpreendente é ver do alto uma imagem impressionante: a terra que conhecemos tão seca, verdejante. Como se fosse outra floresta. No meio da vegetação, há barreiros que acumulam água quando chove e que matam a sede dos bichos.

Ao todo, 28 milhões de pessoas vivem em área de caatinga, o que corresponde a 18% da população brasileira.

É o primeiro voo de balão de Sérgio Chapelin. “Estou achando maravilhoso”, diz.

O balonista Feodor Nenov avisa que está preparando o balão para descer. “Estou descendo bem rápido com o balão. Se passar da estrada, vamos ficar no meio do espinho.”

Sérgio Chapelin elogia o pouso, que é observado por moradores curiosos: “Maravilha, maravilha!”.

A equipe segue com o comboio de biólogos e veterinários que partiu de Petrolina ainda de madrugada.

“A viagem foi tranquila. Cansativa, mas tranquila. Os animais estão bem. A gente deu algumas paradas para olhar como é que estava o estado deles”, diz a veterinária Adriana Alves Quirino, da Univasf.

As cotias e os guaxinins a bordo de caixas de transporte estão prestes a voltar para a vida selvagem. Alguns dias antes, estivemos na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina. Muitos dos bichos foram vítimas do tráfico de animais silvestres. Outros foram resgatados dos arredores da obra de transposição do Rio São Francisco. No local, são tratados até ficarem prontos para viver na caatinga preservada. Há vários pássaros, incluindo a asa branca, a ave símbolo da caatinga.

Globo Repórter nos Céus do Brasil chega à caatinga. (Foto: Rede Globo)Guaxinins são libertados na natureza por pesquisadores. (Foto: Rede Globo)

Nossa expedição vai com os pesquisadores até o local escolhido para soltar as cotias. Depois de mais de 300 quilômetros de viagem de Petrolina, em Pernambuco, até a Serra da Capivara, no Piauí, os animais chegam ao local da soltura. É uma área reservada dentro de um parque nacional, onde dificilmente os caçadores e aqueles que fazem contrabando de animais vão ter acesso a esses bichos.

O biólogo e coordenador do projeto, Luiz Cézar Pereira, da Univasf, diz que está tudo dando certo. “Eu estava muito preocupado por causa do tempo da viagem. A gente saiu na madrugada, justamente para ter uma temperatura mais adequada. Mas, como a estrada é muito ruim, a gente teve essa preocupação de não correr para chegar aqui em um tempo correto. O calor de agora já começa a não ser ideal. O certo era 6h, 5h da manhã.”

Agora, é a vez dos guaxinins. Eles precisam de um lugar com muita água por perto, porque o sol já está alto. Os pesquisadores checam as caixas e percebem que os guaxinins estão ofegantes. Está muito quente. A contenção dentro da caixa e o estresse da viagem influenciaram. “Tem que dar uma parada, esperar”, recomenda uma pesquisadora.

Márcia Chame traz uma gaiola mais arejada para os guaxinins aguentarem até o final da tarde. É o mutirão de pesquisadores em defesa dos animais - e em defesa da caatinga.

Márcia bombeia água em um vaporizador. “A gente bombeia a água e depois faz um vaporzinho, um dispersor, para refrescar os bichos”, explica. “É o ar condicionado da caatinga!”

A espera é longa e apreensiva. Depois de cinco horas de adaptação na mata, das 10h às 15h, esperando passar mais o calor e o período do sol muito forte, finalmente a gaiola está sendo colocada nos carros para a última etapa da viagem. Mais tarde, a gaiola é aberta. A guaxinim mãe sai com o filhote. Finalmente, a liberdade.

A veterinária Adriana conta a história desses bichos: “O macho mais velho foi resgatado primeiro. Foi encontrado em uma plantação. Ele tinha uma fratura no braço. Logo em seguida, a gente recebeu a fêmea, que tinha sofrido um atropelamento também. Ela chegou adulta para a gente. Adotou os filhotes que não são dela. Hoje, assume comportamento de mãe mesmo, de proteção com eles.”

“A caatinga expressa a coragem da sobrevivência, que eu acho que é o que todo mundo busca. Com toda a sua competência de adaptações incríveis dos animais, a falta de água, insolação. A caatinga é um ambiente corajoso”, resume Márcia Chame.

Fonte: g1.com

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